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Em Foco

EM FOCO

2025-03-07

UMA VIAGEM PELA HISTÓRIA

O Festival Internacional de Cinema de Santarém (FICS) assinala meio século da Reforma Agrária com uma seleção especial de filmes que revisitam este momento da história de Portugal. De 21 a 26 de maio, a secção EM FOCO leva o público numa viagem cinematográfica pela luta, transformação e impacto social desta revolução no campo, trazendo para o debate histórias de resistência e reflexões sobre o seu legado.


A programação está dividida em três blocos, explorando diferentes perspectivas deste período marcante. Do cinema militante e didático à intervenção política e cultural, os filmes selecionados abordam o impacto da Reforma Agrária em diversas dimensões: política, fundiária, laboral, social, cultural e identitária, revelando as múltiplas camadas desta transformação histórica.

Estes filmes serão o ponto de partida para a reflexão, fomentando o debate e proporcionando novas leituras sobre este capítulo essencial da nossa história.



SESSÃO 1 | CONTEXTO, HISTÓRIA E REFLEXÕES SOBRE A REFORMA AGRÁRIA

Na primeira sessão, arrancamos com uma sátira terrificante, fruto da criatividade da Célula de Cinema do Partido Comunista Português, As Desventuras de Drácula Von Barreto nas Terras da Reforma Agrária (1977), em que um Nosferatu lusitano afia o dente para o fincar no pescoço de uma camponesa alentejana. Em Terra de Pão, Terra de Luta (José Nascimento, 1977), da produtora dos irmãos Matos Silva, a Cinequipa, considerado «um dos grandes clássicos do cinema mais militante da revolução» (Cinemateca), passamos para um registo mais sóbrio sem, contudo, deixar de lado as emoções, percorrendo momentos de ternura, de reivindicação, de solidariedade ou de indignação. Vemos as faces enrugadas dos trabalhadores rurais e a dança dos gestos que pontuam as suas falas. Ouvimos «De que serve o manajeiro / se quem trabalha é a gente? / Não precisamos de donos», cantado por Shila (Sheila Charlesworth) e Vitorino em «São Saias, Senhor, São Saias». Registamos a máxima «Mais vale morrer de pé do que viver de joelhos». Ecoa a consigna «A terra a quem a trabalha!».


SESSÃO 2 | O SONHO E A RAIVA/ AS TRABALHADORAS/ O BOICOTE INTERNACIONAL

Em De Sol a Sol (Cinequipa, 1975), episódio da série Nome Mulher, o foco é a mulher, a sua condição de trabalhadora explorada, como o homem, mas sujeita à dupla jornada, ao trabalho não remunerado doméstico, ao desgaste da idade, também ela mãe, esposa e filha, sujeita à violência patriarcal, machista e misógina, afastada da agência política. Apesar do cenário plúmbeo, parece haver um vislumbre de mudança. Quando perguntado diretamente («acha que, num futuro próximo, a mulher deve ganhar o mesmo que um homem?»), um trabalhador agrícola com responsabilidades afirma: «Nós até defendemos isso; trabalho igual, salário igual». Mera repetição de chavão ou convicção interiorizada?Liberdade para José Diogo (Luís Galvão Teles, 1975) mostra-nos o resultado de um conflito agudizado entre um grande latifundiário de Castro Verde e um tratorista, José Diogo, que, num momento de humilhação e violência do agrário, se defende com a navalha, causando a morte do patrão. Segue-se o julgamento, em Tomar, longe de Beja, as iniciativas de apoio, com concertos e uma peça de  teatro, e o desfecho. Nas paredes e nas faixas lê-se: «Catarina [Eufémia] / Zé Diogo/ A mesma luta».


SESSÃO 3 | A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE POLÍTICA/ A POLITIZAÇÃO/ A COLETIVIZAÇÃO DO TRABALHO

Assim Começa Uma Cooperativa (Grupo Zero, 1976). Nesta curta, rodada já no distrito de Coimbra, em Barcouço, surge um elemento aglutinador, a banda filarmónica, que guia a narrativa através da intervenção dos seus membros, com destaque para o clarinetista, que apresenta os seus princípios políticos de organização do trabalho na cooperativa: a harmonia e a unidade. Comunal, Uma Experiência Revolucionária (Cinequanon, 1975)Esta experiência de vida comunitária expõe um outro lado da organização social: um conjunto de urbanitas que se aglutinam numa cooperativa em Árgea, Torres Novas: «diferentes testemunhas que se exprimem sobre a cooperativa em que participam; os sacrifícios, as vantagens o as hesitações são aflorados numa descrição do significado que a cooperativa tinha para as pessoas», segundo Mickaël Robert-Gonçalves, em texto de 2013.A Luta do Povo: Alfabetização em Santa Catarina (Grupo Zero, 1976)Em 1970, 25% da população portuguesa era analfabeta. Através do testemunho de Alfredo Martins, um assalariado agrícola que vai à escola aos 44 anos e que  nunca tinha ouvido falar em «fascismo» nem em «comunismo», percebemos as necessidade e aspirações dos esquecidos e explorados, os de baixo, o povo, essa categoria sociológica tão fugidia e escorregadia. Alfredo aprende as palavras «povo» e «luta», concatenando-as para formar frases-slogan: «o povo luta». A professora orgulha-se de que agora o seu aluno «já pode ler as palavras escritas nas paredes». Entre o cinema direto e o cinema-verdade, esse artifício do real, apropriamo-nos das imagens das tomas das terras, da reforma agrária e da contra reforma, da reação e das ocupações, da violência do capital e das forças de segurança ao seu serviço.

Além das exibições, o público poderá participar em debates com especialistas, visitar exposições exclusivas e aprofundar a sua compreensão sobre um dos acontecimentos que redefiniu Portugal.








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